quarta-feira, março 22, 2006

Falcão e as outras aves de rapina

Assisti no domingo ao documentário Falcões – meninos de tráfico, e logo de cara imaginei como o MV Bill consegue manter um tênis tão branco. É impossível que alguém tenha um assim, alvo como neve imaculada. Funkeiros também costumam exibir um pisante com o mesmo esmero de brancura. Acho que significa status. Mostra que você não pisa mais na lama, só anda no asfalto, melhorou de vida. Deve ser por aí.

É possível ler na Folha de São Paulo dessa terça-feira uma crítica sobre o documentário. Sinceramente, eu não ia falar nada sobre isso, mas depois de ler o artigo, mudei de idéia. Concordo com o que li. Acredito na seriedade do rapper que o produziu. E a primeira coisa que concluí ao terminar de assistir ao documentário foi: “No filme Cidade de Deus isso tudo está lá.” Na Folha, eles também dizem isso, com outras palavras.

No artigo, destacaram duas frases, ditas por dois meninos, que parecem ter chamado mais a atenção. Tocado mais profundo:

"Vivo "se" drogando. Minha vida é só alegria"
"O que você quer ser quando crescer?", pergunta o entrevistador. "Quero ser bandido"

Hum....... sabe qual a frase que me lembro?

“O dia em que o crime acabar, a polícia acaba.” Será que ninguém prestou atenção nisso? Eles completam dizendo que se os policiais tivessem que viver só com o que ganham na polícia, não daria para viver. Então, querido, a ferida é mais profunda. Para movimentar o comércio de merthiolate, é preciso cutucá-la, fazê-la sangrar, de tempos em tempos.

Os meninos e jovens reclamam da falta de emprego, do salário de fome que ganhariam se estivessem trabalhando legalmente. E dizem que os policiais vivem extorquindo-os, justamente por que o salário deles é também uma porcaria.

Minha pátria amada, salve, salve. Minha Terra com palmeiras e bundas douradas graciosas onde cantam o sabiá e o Cauby Peixoto, os meninos sabem, ainda que em parte, que seu trabalho é MUITO importante para este país. Imaginem um país sem polícia? Sem essa força tarefa especial? Eles sabem que não há como deter toda a coisa. Existe muita gente, mas muita gente mesmo que vive, sobrevive, esbanja, e esnoba com esse dinheiro. Que a mesma polícia que sobe para combater, sobe para receber a propina obrigatória.

Se esses meninos receberem educação, se essa realidade for mudada, ô filhos da pátria, o outro lado da balança vai sentir, o poder público vai sentir, o congresso vai sentir. Está tudo equilibrado, sob controle. Eles fodem ainda bem jovens, engravidam e nascem os futuros trabalhadores. Aos 17 anos são pais de dois, três filhos, porém já estão mortos. Mas viveram o suficiente para deixar alguns substitutos. É um círculo vicioso, uma praga, uma condenação. Parece até ficção científica, “Lost”, se fizer uma espremida analogia.
Estão ilhados, acuados, tentando sobreviver na selva. O inimigo surge de todos os lados,
“Os outros”, que na verdade nem eles sabem quem são ao certo. Eles precisam ficar ali, endolando a droga, defendendo o território, e mandando o produto para o asfalto. O destino final, não sabem. Precisam apertar um botão a cada 108 minutos, se não, eles perecem (isto só entende quem assiste a série). Porque isso foi ensinado a eles. Doutrinados.
Estão envolvidos num projeto secreto. Assim mesmo, como ficção cientifica, meu filho, esperando por Neo, esperando pelo Messias.

Às vezes, gostaria de escrever em cor-de-rosa, sabe. Ser mais suave e meiga. Mas minha cor predileta é o azul. Azul céu inebriante. A única pessoa que escreve em cor-de-rosa e eu gosto é o Santiago Nazarian, mas cor-de-rosa só mesmo a cor do seu blog, porque no papel é vermelho sangrento, roxo. Ele gosta de fatiar a realidade com uma lâmina bem afiada e dar os pedaços para o seu iguana comer (rs.)

Até coloquei uma fotinha de infância no orkut e percebi que ainda carrego aquela inocência no olhar, de certa forma. Aquela minha melancolia infantil ainda se arrasta nas minhas pupilas.

Aí tudo isso me fez lembrar uma musiquinha do Molotov, acho que a mais conhecida deles, que vivo a cantarolar e é engraçado certas semelhanças com nossos hermanos mexicanos. Peguei esta tradução na internet. Uma tradução meio capenga, mas dá pra entender o recado. Coloquei apenas dois trechos. Deve está tudo certo. Que pena, já que deve ser também tudo verdade.
Gimme Tha Power
Molotov
A polícia está te extorquindo (dinheiro!)
mas eles vivem do que você está pagando
E se te tratam com um deliqüente (ladrão!)
Não é sua culpa, dê graças ao regente
Tem que arrancar o problema pela raiz
E mudar o governo de nosso país
Há gente que está na burocracia
a essa gente que gostam das migalhas


Gente que vive na pobreza,
Ninguém faz nada porque à ninguém lhe interessa
É a gente de cima que te detesta
há mais gente que quer que cagam em suas cabeças


*That´s all folks*

Um comentário:

Henrique Araújo disse...

Ah, essa também foi, juntamente com outra frase que não lembro, um dos momentos, digamos, doloridos do documentário. Daí a sair por aí afirmando que se trata de soco no estômago, vai uma distância muito grande - a esse respeito, também escrevi um post rápido em meu blog (www.henriquearaujo.blogspot.com). Dá uma passadinha lá, mulher!

Abraços.