segunda-feira, dezembro 17, 2007

A arte de escrever com um fígado genioso.

Meu fígado está raivoso. Passei o fim de semana enjoada. Não é gravidez. É meu fígado solicitando um pouco de atenção. Hoje almocei alface, tomate pesto e agrião. Havia umas outras coisinhas verdes, mas não me importei. Estou tomando um remedinho - um floral, meio fedido, pois todos os remédios para o fígado tem um cheiro ruim. Um cheiro amargo.

O fim do ano já chegou.... então estou só esperando ele terminar. Final de ano me dá impressão de chuva que não cai... nuvens carregadas que escondem o sol por algumas horas, mas ele sempre escapa pelas beiradas. Em fins de ano parecem que as coisas se arrastam... tem cheiro de porco assado, frutas frescas e sofá novo.

Saí a rua para comprar um creme hidratante para os cabelos e um repelente elétrico. Comprei um hidratante de chocolate. Bem concentrado. Meu fígado não gostou do cheiro. Enquanto perambulava pela rua e entrava numa loja e outra senti uma lentidão do tempo que transcorria ao meu redor. Uma sensação estranha. Há muitas compras, sacolas e filas em toda parte. Mas existe um certo desânimo também... pode-se perceber.

Ontem soube que um médico da família perdeu o filho num acidente de carro faz três semanas. O rapaz deveria ter seus trinta anos. Uma batida fatal. Ele foi chamado até o local. Era madrugada. Viu o carro batido e decidiu entrar. O filho estava sozinho. Ele se sentou no banco do carona, abraçou o filho morto e permaneceu muito tempo com ele. Não se sabe se chorou, se orou, se falou alguma coisa. Sabemos que ficou lá dentro com ele. Fiquei com isso na cabeça. Deve ter sido um dos motivos para amargar meu fígado. E como escritora tudo o que eu pensava era: O que ele pensou, sentiu, falou?

Ser escritor é assumir a tristeza e a alegria dos outros. Comemorar qualquer coisa, mas também lembrar-se dos que não podem fazer isso. Acho que comecei a escrever justamente por isto... por assumir os sentimentos dos outros. Bons e maus. Claros e obscuros. Quando dou uma volta na rua... eu percebo que atravessei muitas histórias. Isto faz você transbordar. Talvez por isto, muitos escritores precisam de silêncio, de um canto, um refúgio. É que alguns ouvem vozes, não do além, mas aquelas bem vivas e próximas, que permanecem mudas para a maioria.


*That´s all folks*


Um comentário:

Diogo Costa disse...

Algumas imagens do absurdo chocam. Dia desses, um caso "Cemitério Maldito". Um pai fez o serviço do IML no corpo do próprio filho. Imagine. Enrolou o filho num edredon, carregou, e levou para os peritos. Duas violências. O desenlaçe fatal e o rito mórbido.