sábado, junho 24, 2006

Aritmética dos verbos conjurados

"É preciso estar vivo até o fim.
Esse espetáculo dos que morrem antes de morrer me horroriza".

Disse Mario Vargas Llosa em entrevista a Folha de S. Paulo dia desses.

Procurei esses vagos vãos que estreitam para o fim. Pensei como é chegar vivo até o fim e se não é óbvio, caso não o fim chegue e você continue vivo. Esse espetáculo dos que vivem após morrerem também me horroriza. Esse tipo que possuem alma transbordante e vivacidade longínqua. Esses que não se abatem e se recusam a sentir uma dor na alma vez ou outra. Que nunca se largou num chão frio, com rosto no pó, chorando madrugada à dentro.


Não acredito em vivos, mas nos meio vivos- meio mortos. Esses que se arrastam em algumas lástimas e se esbaldam em imensas alegrias. Meio vivo – meio morto você pode aproveitar melhor do que a existência pode oferecer. Morrer antes da hora e perambular entre os vivos, assombrá-los com idéias e discussões absurdas e contemplativas, dessas que não chegam a lugar algum, talvez de volta ao ponto de partida. Mas aí é que está, pois o ponto de partida uma vez partido, deixa de ser o mesmo quando se retorna até ele, temos então um ponto partido, e não mais um ponto de partida. E chegando ao ponto partido, que se dividiu em dois, atesto que somos todos meio mortos – meio vivos.


Toda essa confusão talvez se deva ao fato de ter ido assistir ao espetáculo O Púcaro Búlgaro, dirigido por Aderbal Filho. São duas da manhã e este post era pra ser escrito na sexta-feira. Algumas horas antes. Mas é que depois de tanto se falar em Bulgária, fui comer um Beirute na Drinkeria Maldita. Bulgária - Beirute. Ótimo itinerário, principalmente se for de Varig. hihihi.
A peça conta no elenco com o ator Cândido Damm. Cândido eu conheci faz tempo, pois ele interpretou num curta metragem que escrevi um personagem confuso chamado Lino, um entregador de pizza. A surpresa foi grata e a peça também, porém...


Porém é muito longa. Logo no início eu não conseguia concentração suficiente para arranjá-la em minha cabeça. É uma confusão com muitas informações. Cinco atores se espalham pelo palco, uma espécie de arena, então eles ficam no meio do público. A peça é uma comédia e a comédia também era assistir a uma senhora vestindo calças cor de goiaba, manto marrom e sandálias pretas que tombava a cabeça de um lado para o outro. Babava, a mulher. Acompanhava a peça e as cochiladas hilárias da dona.


Gosto de perceber a reação dos outros, então me divido entre peça e público. Alguns escorregavam pela cadeira, outros se escoravam num corrimão, outros cochilavam e babavam e outros por sua vez, mostravam inquietação, odiando tudo sacudindo os pés, mãos, e mais alguma coisa que pudesse balançar.

Indico a peça, porém vá sem sono, com tempo disponível, pois são duas horas seguidas e deixa os atores sem fôlego e o público cansado. O problema é que é longa demais. A cadeira não ajuda. Somos dispersivos. Começamos a pensar em outras coisas e quando damos conta foi uma lauda de texto proferida e a gente nem se dá conta.

A verdade é que ninguém tem mais saco pra nada. A coisa é muito cabeça, mas quando se entra no ritmo a coisa vai. O problema é quando se acha que acaba, a coisa continua remando, então percebi que o inferno também deve ser assim, uma coisa demorada, que se arrasta, o fim nunca chega. Quando se soluciona uma questão, logo cria-se outra e a discussão é interminável. Durante parte do tempo pensava nas palavras do senhor Llosa, "é preciso estar vivo até o fim", "é preciso estar vivo até o fim". Afirmo que o senhor Llosa deu uma mãozinha. Chegar até o final valeu a pena, ainda que sonolento e as costas doída.
Bem, isto aqui resume a peça. Evidente, que a partir do meu entendimento e dialógo com o senhor Llosa durante a encenação.
Uma discussão interminável sobre o imaginário expedicionário inexistente de um homem que não tinha mais o que fazer a não ser, discutir eternamente sobre expedições que jamais serão realizadas.

Olhando por certo ângulo, é bastante política. E por falar em inferno, deixo aqui um trechinho sobre este singular lugar, numa singular visão.


“A barba não cresce e se você estiver alimentado não vai sentir fome e se você estiver com fome não fica mais faminto. Seu cachimbo vai fumegar o dia inteiro e ainda ficará cheio e um copo de uísque vai continuar na mesma não importa o quanto você beba dele e não importa de qualquer jeito porque ele não vai fazer você ficar mais bêbado do que sua própria sobriedade”.
[O Terceiro Tira _ Flann O´Brien]


É... olhando por esse lado não é nada mal.



*That´s all folks*

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