domingo, setembro 16, 2007

Jantar de degenerados.

"Pablo suga um fio de macarrão entre os lábios afogados em molho de tomate e sente respingar uma gota muito fina sobre sua testa. Sente sua traição descamar-se como uma cebola que lançando respingos ácidos nos olhos lhe faz chorar intempestivo. Edgar acata as ordens de Zeferino com um olhar vazio, sem piscar. Um olhar como se não houvesse dimensões a sua frente. Um olhar sem possibilidades. Pablo olha para o cachorro que persegue o próprio rabo, feliz e inocente e é isso que terá que fazer. Girar em torno de si atrás do próprio rabo e depois entregá-lo a tortura. Não poderia fazer isso, se bem que pode ganhar tempo fingindo não conseguir alcançá-lo. Isso o faz regurgitar o macarrão. O chiuaua de pulo em pulo consegue atrair sua atenção e ele decide por deixar o animal devorar seu jantar.
Amanhã sem falta, vocês vão começar a fazer algumas cobranças. Preciso de dinheiro pra cobrir os prejuízos, senão vou ter que descontar do salário de vocês.
Zeferino sente-se constrangido mas não reflete nada do que se passa em seu coração. Ele tem um e está apaixonado. Por isso seu aguçado instinto sente o cheiro de traição. Algumas garfadas silenciosas, o barulho do cachorro degustando o macarrão, o silêncio sombrio de Edgar tornam aquele escritório nostálgico, como se houvesse um peso sobre o teto, as paredes mais próximas e o chão mais aprofundado."

[A Guerra dos Bastardos - ana paula maia]





*That´s all folks*

2 comentários:

Diogo Costa disse...

Ana,

Não escrevi antes por falta de tempo. Realmente, só por ter debruçado no humor negro valeu o ingresso. Fui seduzido desde o início que conheci sua literatura. No livro há várias camadas. Você criou um caos perfeito e, principalmente, sob o ponto de vista de quem acossa.

Entre os renegados e degenerados, todos, em diferentes escalas morais, parecem rendidos à condição de ser Humano; e com “s” minúsculo mesmo.

Parece que cada bastardo transborda a inevitável condição nem que seja por puro eco. Parece que após assistir os extras de Snatch – Porcos e Diamantes -, onde Benício Del Toro define ironicamente o filme como “hope”, a palavra encaixa-se melhor aqui. Não sei se esses transbordamentos em diferentes níveis indicam esperança, não sei; mas, o humano está lá, em algum lugar. É difícil mostrar isso sem errar. É impossível não lembrar Travis Bickle, em Táxi Driver, resmungando que “toda noite precisa limpar a porra que fica no banco de trás” e que “às vezes, limpa sangue também”. É assunto da ordem dos tempos; e surge até “Crime e Castigo”; que bom lugar ele aparece em uma das locações da estória, hein? Lembrei de um conto de Poe, filmado por Fellini, surreal pra caralho, “o horror e a fatalidade percorreram todos os séculos; para que datar a história que irei contar?”; é por aí. Escreveu não “ordem do dia”, mas “pauta da condição humana”. Enfim, na medida: o livro não está apenas na minha biblioteca, respeitosamente; move-se na cabeça.

Forte abraço,

Diogo Costa.

ana paula maia disse...

Sempre uma ótima contribuição, Diogo!

obrigada.
outro abraço.