segunda-feira, janeiro 28, 2008

Cavalo puxando cavalo.

Achei este texto ao procurar por antigos arquivos digitais. Foi postado em 02 de maio de 2006. Acho que vale repostar.

*

Saio de casa dirigindo e quilômetros depois, na estrada, desvio do carro vindo em minha direção. Olho bem, ele desviou do cavalo morto do outro lado da estrada. Estava duro. Caído de lado. As pernas duras, como em desenho animado, estavam suspensas. Havia uma poça de sangue ao redor da cabeça. Era um sangue ralo, minguado. A poça escorreu para a pista. Acho que levou um tiro na cabeça. A boca estava um pouco aberta, mas os olhos fechados. É claro que segurei um pouquinho o carro para observá-lo. Na volta, esqueci do cavalo morto, e seguindo agora no sentido da pista onde ele estava caído, provavelmente até agora, num susto desviei das pernas dele. Mais devagar dessa vez. Bem ao lado dele. Ferimento só mesmo na cabeça. O resto do corpo intacto. Acho que foi mesmo sacrifício. Um sacrifício de feriado em holocausto aos sem-ofício. Nesse mesmo trecho atropelei um gato faz alguns meses. Por aqueles lados passam muitas carroças, por isso, acredito que era um cavalo que trabalhava duro. Bem próximo há uma pista de hipismo. Pode ter sido um dos cavalos corredores. Não sei mesmo. Mas era do tipo parrudo, trabalhador. Puxando carroça ou apostando corrida, enfim, um trabalhador sacrificado. Talvez estivesse puxando de uma pata, contraído alguma mazela. O que fazer quando esses trabalhadores adoecem e já não tem assim uma utilidade? Utilidade pública ou privada. Leva-se para beira da estrada e executa ali mesmo. Talvez outro trabalhador desocupado arraste o cavalo estrada fora puxado numa carroça por outro cavalo. Cavalo puxando cavalo. Homem puxando cavalo. Cavalo arrastando homem. Daquele tamanho é carne certa pra meses. De trabalhador para trabalhador. No dia nacional do trabalho.

De tanto galopar em palavras e asfaltos, fica aqui a tradução de Horse Latitues _ The Doors.


Horse Latitues

Quando o mar tranqüilo conspira armaduras

E suas soturnas e abortadas
Correntes produzem pequenos monstros
A verdadeira navegação é a morte
Horrífico instante
E o primeiro animal é lançado
As patas devoram furiosamente
Seu próprio simples e obstinado galope
E as cabeças se erguem
Equilíbrio
Relaxamento
Pausa
Aceitação
Na agonia muda as narinas
Com cuidado são purificadas
E seladas


*That´s all folks*



Um comentário:

Álvaro Andrade disse...

algum motorista matou o cavalo pela própria segurança. Eles podem causar acidentes. Problema de trabalhadores resolvido entre eles.