quarta-feira, julho 09, 2008

*Não podemos continuar nessa via macabra, sempre à espera do pior.

Ultimamente não tenho lido jornais e assistido somente de soslaio alguns noticiários na TV. Na terça-feira à noite, decidi ligar a TV por volta das 23:30 para assistir ao Profissão Repórter, pois gosto de programas documentais. O tema era o sexo e como as pessoas ganham dinheiro com ele. É um tema sempre interessante. Até aparecer uma mulher de 74 anos que se prostitui na Praça da Sé. Aquilo me doeu. Doeu à beça. Uma senhora cuja fragilidade não está somente na idade ou no corpo enrugado, mas ela tem um olhar terno. Nos olhos da velinha há doçura e isto faz o mundo parecer ainda mais miserável. O repórter segue a mulher até o motel em que atende clientes e tudo é desesperadamente triste. Qual o homem que transa com uma velinha de 74 anos de cabelos brancos e olhar terno?

Em momento algum ela reclama da vida. Parece até uma religiosa. Veste-se da cabeça aos pés. Chegam até a casa onde mora apenas com um cachorro, que está agitado. É um barraco extremamente pobre. Ela demonstra senilidade em alguns momentos e eu penso: Meu Deus, quem vai amparar esta mulher?

O programa terminou e eu fiquei chocada. Estranhamente nunca fiquei realmente chocada com uma morte bruta sofrida por uma criança ou um disparo acidental num playboy, mas pela dona Rosa eu queria chorar. Ela está vive faz 74 anos. Mas é como se não estivesse. Ali não há morte, não há um escândalo, não há um crime cheio de sangue e sirenes. Há o pior: o mais absoluto descaso. E sabe o que é pior. É que ela vai morrer neste descaso. São 74 anos de desamparo e descaso. Não há justiça que a valha mais. Talvez, se houvesse urgência, um fim de vida com alguma dignidade.

No programa seguinte, um noticiário, aparece o trio desmacarado que acabou de cair após descobrirem as fraudes e desvios de verbas. São bilhões, eles disseram. Acho que ouvi bilhões. O advogado de um dos homens do trio disse que é abuso da polícia tratar seu cliente daquela forma, ou seja, aljemando e levando-o preso. Que isto fere, veja bem, FERE, a reputação de seu cliente (homem de bem, ele quer dizer) ou coisa que o valha. Que a polícia gosta de fazer um espetáculo e coisa do tipo. A indignação do advogado veio acompanhada de muitas palavras das quais a dona Rosa jamais saberá o significado.

Aí eu senti vergonha pela humanidade, por um fiapo da humanidade que estava na tela da TV. A vergonha só não é maior que a tristeza de saber que o trio está bem amparado por milhões roubados e que nunca terá de dar o rabo murcho e enrugado aos 74 anos para sobreviver miseravelmente. Eles nunca saberão o que é isso. E a dona Rosa continuará a ser uma puta velha da Praça da Sé.


(*O título é um trecho do livro Bandoleiros - João Gilberto Noll)



*That´s all folks*

5 comentários:

Léo Mariano disse...

Olá Ana

Eu também, faz tempo não me aterrorizava com uam notícia. è bem estranho notar da onde vem verdadeiro terror. Me doeu muito quando a "dona ROsa" disse que tinha o sonho de comprar uma máquina de costura. Putz, que tristeza.

Ana Paula Maia disse...

Sim, Léo... quando ela falou sobre a máquina de costura foi um golpe de misericórdia. Aquilo foi terrível. Não saí impune ao assistir este programa.

Ronnie K. disse...

Eu não vejo TV, por isso fiquei sabendo aqui desse triste episódio. Caramba, mas incrível do que a ficção! Agora fico imaginando a cara dessa velhinha, nao sei por que, mas fico... Que tristeza essa vida!

Marcelo Novaes disse...

Esses bandoleiros ( não do João Gilberto, mas os quadrilheiros- estelionatários ) já diziam que "se garantiam no STF e STJ", só tinham "medo" do julgamento em primeira instância. O delegado Protógenes, além de não muito aquinhoado por sua progenitora pela escolha de seu nome, talvez seja transferido para Rondônia ou algum outro lugar igualmente hospitaleiro.Afastado do caso já está, "por livre e espontânea vontade".

Conheço bem o mundo da putaria. Sou um libertino quase aposentado. Mas fico amigo das moçoilas, e já conversei muuuuuito com algumas que chegaram aos 40 e poucos, até aos cinquenta anos, e a vida se estreita pra elas. Perderam a vida social fora do meio. Essa senhora, pelo que vc conta, trabalha na rua, o que é ainda mais doloroso. Com as outras de horizontes estreitados por relações quase exclusivas com clientes e "colegas" de trabalho, muitas mortes ocorrem. Perdem a franqueza ( as que não têm a sorte de encontrar quem as ouça e queira lhes dar franqueza), e várias capacidades: de confiança, admiração, capacidade de apreciação e elogiar virtudes alheias ( que virtudes?!). Gratidão. ( serem gratas a que?!). Bom, são muitas as mortes...Muitas aspiram ser cafetinas quando senhoras. Algumas se tornam, e cafetinam até os 74 anos para não experimentarem a "solidão austera em suas próprias casas". Tia Olga é um caso desses, na Consolação, perto de onjde vc participará do debate literário. Morreu há cerca de um ano, ano e meio, e tinha casa em Alfa Ville ( bairro nobre), filho advogado com casa em Alfa Ville, e não saía do puteiro ( "nem vc, Marcelo",estará dizendo vc, provavelmente, com certo risinho no canto dos olhos...; "sou bem informado, tenho as minhas fontes", é minha resposta jornalística). Pois bem, na minha adolescência, "Tia Olga" gabava-se de ter transado com o pai do Suplicy-pai ( não do Supla). Mas isso não é um inventário de celebridades e suas orgias... No caso dessa senhora, realmente, há muito o que se indagar. Não de como ela chegou até aí ( sem dúvida, sabemos o caminho). Parece que vc é carioca, eu sou de Sampa, conheço a Praça da Sé, o Parque da Luz, a Cracolândia, o centrão decadente de São Paulo. A pergunta sua, crucial, é "que tipo de cara erotiza uma relação dessas", que consegue erotizar uma relação com essa velhinha maternal... Freud explica essas coisas. O ser humano é pateticamente mau, às vezes. Outras, aberrantemente mau. Gritantemente. Alguns melhoram com o tempo, no inverso da equação romântica de Rousseau de que "nasce bom e é corrompido pela sociedade", porque não se trata de uma sociedade de árvores, por certo...

Há cerca de quinze anos atrás, passando pela rua do centro, eu via alguma "poesia na decadência". Hoje, só resta melancolia. Ou asco, dependendo da situação. Mas te digo, pela "evolução da prostituição" em Sampa: como outras senhoras da Estação da Luz, essa é uma prostituição sem glamour ( porque há outra bem glamourizada, capicce?!) e quase em extinção. O sexo mais "doméstico" não tem futuro comercial em Sampa. Só aquele mais hard, onde todos os vícios e perversidades se aglutinam ( surubas com dez carinhas, garota dizendo / contabilizando seu recorde pra colega recém chegada, gerente oferecendo ecstasy no balcão, muita Ice com energético e anfetamina pra aguentar o tranco; o mesmo gerente clonando o cartão de crédito de um otário desavisado..."Marcelo, onde vc se meteu?!", pareço ler em seus olhinhos arregalados agora...). Nos anos setenta, eu caminhava com as moçoilas até a pensão onde moravam, comíamos um sanduba, e eu lhes ensinava alguma matéria que elas não sabiam, pra não tomarem pau no supletivo.Hoje, os tempos são outros. De Jorge Amado ( os Cabarés de Ilhéus dos anos quarenta ) até meus anos setenta em sampa, já havia uma queda na nobreza e "heroísmo" das personagens, mas muita fraternidade ainda havia.Pelo menos eu soube ser fraterno. de lá pra cá..., decadência sem nenhuma elegância.
Já vi garota fazer ponto na Augusta, com a namorada ao lado, com um pit-bull, para fazer frente a alguma abordagem suspeita... Isso daria um conto, mas não serei eu a escrevê-lo. Nesse meu comentário, já te propiciei uma espécie de prosti-tour pela cidade de São Maulo. Mas o público/ clientela dessa senhora deve ser o dos senhores solitários.Torço pra que seja. Seria quase impossível manter os olhos ternos se assim não fosse. E o consolo é este: ela viveu, durante muitos anos, um tempo "menos hard" nas ruas, com certo companheirismo. Teve, certamente, alguns amigos de cama.

A tendência ( sem deliberar o tom "apocalíptico" com que a frase acabará sendo escrita a fogo)é que hoje se durma com quem já chegue abraçado com o capeta...


Beijos,




Marcelo.

Ana Paula Maia disse...

Pois é Marcelo, você possui quase conhecimento científico deste lado sombrio.